Sinopse: Belleville - Se pudesse, Lucius aterrissaria em 1964 para ajudar Anabelle a realizar o grande sonho do seu falecido pai! De quebra, ajudaria a moça a enfrentar alguns problemas muito difíceis, entre eles resistir à violência do seu tio Lino. Claro que conhecer de perto os lindos olhos verdes que ele viu no retrato não seria nenhum sacrifício... Sem conseguir explicar o que está acontecendo, Lucius inicia uma intensa troca de correspondência com a antiga moradora da casa para onde se mudou. Uma relação que começa com desconfiança, passa pelo carinho e evolui para uma irresistível paixão – e para um pedido de socorro... (
Skoob)
COLBERT, Felipe. Belleville. Rio de Janeiro: Novas Páginas, 2014. 304 p.
Lucius chega a Campos do Jordão para estudar na faculdade da cidade, uma das melhores do país, e se formar no curso de Matemática. Com a ajuda do pai, ele aluga um velho casarão arrendado em um leilão e cujo proprietário não tinha intensões de ocupá-lo num futuro próximo. Apesar de não precisar de tanto espaço, o valor do aluguel era irrisório. Logo que chega, Lucius fica curioso com uma grande biblioteca que existe na casa e acaba, acidentalmente, encontrando a foto de uma linda moça ruiva, que segura uma caixa ao lado de um pequeno buraco feito na terra, bem ao lado de uma estaca de madeira. A foto data de 1964. Curioso, Lucius desbrava o enorme terreno atrás da casa e se surpreende ao se deparar com o início da construção de trilhos. Procura a estaca onde a moça estava quando tirou a foto e, ao cavar o local, descobre a caixa que ela segurava. Dentro da caixa, uma carta endereçada ao futuro morador do local, onde Anabelle, a moça da foto, descreve o sonho de seu falecido pai de construir uma montanha-russa no terreno da casa, a que deu o nome de Belleville. Comovido, Lucius resolve também escrever sua carta reforçando o pedido. Guarda as duas folhas dentro da caixa e volta a enterrar. Cinquenta anos no passado, Anabelle desiste do intenção de deixar a carta enterrada. Para sua surpresa, ao abrir a caixa, depois de a retirar do buraco, encontra uma outra carta junto da sua, escrita por alguém chamado Lucius.
"O preto-e-branco esbatido da fotografia revelava os traços singelos de uma moça, num vestido claro, ajoelhada na terra. No rosto sereno e delicado, ela sustentava um sorriso triste. Nas mãos, segurava uma espécie de caixa. De repente me peguei estudando a foto, como se a garota fosse me dizer alguma coisa."
Esse é o início da obra criada por Felipe Colbert. Uma mistura de romance com viagem no tempo. Lucius e Anabelle se comunicam através das cartas enterradas no terreno, e os dois acabam se apaixonando, mesmo sem se conhecerem pessoalmente.
A primeira metade do livro é centrada no convencimento de que os dois realmente estão se comunicando através de um espaço temporal de cinquenta anos. As cartas que trocam são tocantes e engraçadas. Primeiro, a indignação de participarem de uma brincadeira de mau gosto; depois, a curiosidade sobre a possiblidade de estarem vivendo algo fantástico; a constatação de que realmente os dois se comunicam através do tempo, e, finalmente, a descoberta de que a vida de Anabelle pode estar em perigo.
Isso porque, nessa metade do livro, o tio de Anabelle surge para reclamar a autoridade sobre a sobrinha e sobre a herança deixada pelo irmão. O homem é um monstro de maldade e transforma a vida de Anabelle em um inferno, direcionando a história para a urgência de Lucius evitar uma tragédia, mesmo estando cinquenta anos no futuro.
"As paredes do quarto se fecharam a minha volta. Ele arrancou minha roupa e me jogou na direção da bacia. Não satisfeito, segurou meu cabelo e empurrou minha cabeça para baixo. Meu rosto bateu na água quente, o que fez as feridas doerem como nunca. Todas as minhas chagas ficaram expostas naquele momento. Eu apenas pedi a Deus que terminasse logo."
Lucius é um personagem obstinado, com as qualidades de quem abre mão de seu futuro acadêmico com o intuito de realizar o sonho do pai de uma garota que não conhece e que viveu cinquenta anos antes dele. Anabelle é corajosa e enfrenta seu destino nas mãos do tio com o tipo de força que compete a mulheres de fibra, mesmo tendo apenas 18 anos. Os dois encontram nas palavras de suas cartas, a força para abrirem mão de seus sonhos. Ou, como se descobre no fim, da possibilidade de destruírem suas vidas para a realização dos sonhos um do outro. E esse é o significado do verdadeiro amor: abstinência da própria segurança pela pessoa amada.
Belleville é uma leitura deliciosa, ingênua, romântica, despretensiosa, simples. Existem alguns defeitos, sim, como a tentativa desnecessária e infrutífera da conversa de Lucius com seu professor de física sobre a impossibilidade de viagens no tempo; ou a má utilização do pai de Lucius, que não tem nenhuma real função dentro da história; ou a brusca e assustadora mudança de tom da história com a chegada do tio de Anabelle, que transforma o romance em uma narrativa de crueldade e desespero; ou até o bullyng que Lucius sofre na faculdade e que deixa uma estranheza ao ser resolvido no fim do livro, mesmo que num trecho particularmente comovente. Mas, sinceramente, ignorei todos em detrimento do sentimento que a história nos faz sentir. E seu final bastante óbvio, mas por isso mesmo, muito desejado. Se terminasse de forma diferente, eu nem faria esta resenha da raiva que estaria sentindo ;)
Entretanto, os maiores defeitos ficam por conta da edição da obra. A narrativa é em primeira pessoa, feita por Lucius e Anabelle, nem sempre em capítulos alternados. Não existe uma identificação no início do capítulo sobre quem está narrando, obrigando, às vezes, o leitor a passar por algumas linhas até conseguir descobrir se é Lucius ou Anabelle quem está contando a história. Outro problema, é que as cartas dos dois protagonistas estão em uma fonte que imita a letra humana. É bonito visualmente, mas torna a leitura cansativa, porque o leitor precisa tentar decifrar uma palavra ou outra devido à fonte.
"Um ódio sem fim inflo meu peito, deixando-me com um nó na garganta. Andei até o pilar principal e me agachei. Com as próprias mãos, cavei o buraco. Não me importava com a terra enchendo meus calos e feridas; só queria buscar uma resposta."
Descobri Belleville acidentalmente na última bienal aqui de Belo Horizonte. Estava no stand da Leitura e vi em um canto uma pilha de livros com o desenho de uma ruiva na frente de uma montanha-russa. Pela sinopse envolver viagem no tempo, acabei comprando de curiosidade. Fora esse momento, e apesar de estar sempre à procura de novidades para ler, nunca vi nenhuma propaganda do livro, o que demonstra a constante falta de iniciativa na divulgação de obras nacionais de escritores iniciantes.
Isso é uma pena.
A obra de Felipe Colbert não possui nenhuma real novidade se comparada a histórias semelhantes, mas a escrita é impecável e o romance dos dois protagonistas é comovente. Na segunda metade do livro, eu simplesmente não conseguia deixar de ler para descobrir o destino de Anabelle e Lucius. E isso só autores competentes conseguem transmitir através das palavras.