Lugares Escuros - Gillian Flynn

Libby tinha sete anos quando a mãe e as duas irmãs foram assassinadas no "Sacrifício a Satanás de Kinnakee", no Kansas. Enquanto a família jazia agonizante, Libby fugiu da pequena casa da quinta onde viviam e mergulhou na neve gelada de janeiro. Perdeu alguns dedos das mãos e dos pés, mas sobreviveu e ficou célebre por testemunhar contra Ben, o irmão de quinze anos, que acusou de ser o assassino.
Passados vinte cinco anos, Ben encontra-se na prisão e Libby vive com o pouco dinheiro de um fundo criado por pessoas caridosas que há muito se esqueceram dela.
O Kill Club é uma macabra sociedade secreta obcecada por crimes extraordinários. Quando localizam Libby e lhe tentam sacar os pormenores do crime (provas que esperam vir a libertar Ben), Libby engendra um plano para lucrar com a sua história trágica. Por uma determinada maquia, estabelecerá contacto com os intervenientes daquela noite e contará as suas descobertas ao clube... e talvez venha a admitir que afinal o seu testemunho não era assim tão sólido.
À medida que a busca de Libby a leva de clubes de striptease manhosos no Missouri a vilas turísticas de Oklahoma agora abandonadas, a narrativa vai voltando atrás, à noite de 2 de janeiro de 1985. Os acontecimentos desse dia são recontados através da família de Libby, incluindo Ben, um miúdo solitário cuja raiva contra o pai indolente e pela quinta a cair aos pedaços o leva a uma amizade inquietante com a rapariga acabada de chegar à vila.
Peça a peça, a verdade inimaginável começa a vir ao de cima, e Libby dá por si no ponto onde começara: a fugir de um assassino.
FLYNN, Gillian. Lugares Escuros. Intrínseca: 2015. 352 p.

Quando li Objetos Cortantes, de Gillian Flynn, vi-me totalmente atormentada pelo enredo, mas ainda mais envolvida com os mistérios e acontecimentos que pareciam me jogar de um lado para o outro e que não me deixavam elaborar um julgamento moral, porque simplesmente não havia a quem culpar. Em Lugares Escuros, percebi várias impressões do texto de Flynn já presentes no livro anterior, suas marcas aqui e ali, mas são leituras completamente diferentes, ambas incrivelmente fantásticas.

Libby Day é, assim como Camille Preaker era, mentalmente perturbada. Ambas as personagens são repulsivas e cheias de características que geralmente fazem os leitores rejeitar os personagens, mas, de alguma forma, conseguem nos cativar, mesmo assim. São aquele tipo de pessoas que você provavelmente nunca daria um abraço, mas sabe que poderia contar e - por que não? - selaria o compromisso com um aperto de mão. As semelhanças entre as personagens, porém, não vão além disso.

Libby é detestável, como ela mesma se define. Ela é preguiçosa, mal humorada e age como uma adolescente, só que já tem mais de 30 anos. Ainda assim, é fácil e rápido criar um vínculo com a personagens, e queremos, tanto quanto ela, entender o que aconteceu para aceitar um pouco de paz. Por isso, torcemos por Libby, mesmo que não tenhamos a intenção de fazer isso.

Além disso, é impossível julgá-la: toda a sua família foi brutalmente assassinada quando ela tinha apenas sete anos, e Libby é a única testemunha do crime. Pior: ela teve de testemunhar contra seu único irmão ainda vivo, Ben. O quanto isso pode traumatizar e influenciar no desenvolvimento de uma pessoa?

"Eu tenho uma maldade dentro de mim, tão real quanto um órgão. Corte minha barriga e talvez ela escorra para fora, viscosa e escura, e caia no chão para que você possa pisar nela. É o sangue dos Day. Há algo de errado com ele. Nunca fui uma boa menina e piorei depois dos assassinatos [...]"

A maneira como o livro foi organizado não é uma técnica literária nova, mas traz uma dinâmica que o torna praticamente excruciante para o leitor. A cada capítulo narrado em primeira pessoa, no presente, por Libby, segue-se outro, em terceira pessoa, pelo ponto de vista de Patty Day, mãe de Libby, ou de Ben, que contam os acontecimentos daquele dia que culminou na morte da família Day.

Assim, enquanto Libby sai da mesmice, busca pistas para o Kill Club em troca de dinheiro e começa a perceber que Ben pode não ser o único responsável pela morte de sua família, o leitor acompanha, pelos flashbacks, o quanto de má sorte e de decisões erradas levaram àquele resultado tão extremo. O vai e vem entre passado e presente é tenso, é desgastante, porque não é possível largar a leitura até que se descubra exatamente o que aconteceu, o que, é claro, só é revelado nos últimos capítulos.

"De qualquer forma eu não saberia cuidar de uma fazenda. Tenho lembranças do lugar: Ben atravessando a lama fria de primavera, espantando bezerros do caminho; as mãos grossas de minha mãe afundando nas sementes cor de cereja que se transformariam em sorgo; os guinchos de Michelle e Debby saltando sobre os fardos de feno no celeiro; 'Coça!', Debby sempre reclamava, depois pulava de novo. Nunca posso alimentar esses pensamentos. Classifiquei essas lembranças como se fossem um lugar particularmente perigoso: um lugar escuro. [...]"

Há algo sinestésico nos livros de Flynn, ela desperta os sentimentos mais conflitantes e eu não sei explicar como isso é bom. Suas obras são viciantes e perturbadoras, e acredito que isso se deve ao fato de que a autora tem a capacidade magistral de fugir daquilo que é comum. Os personagens nunca são óbvios, eles têm faces, algumas boas, outras não. São pessoas, geralmente traumatizadas, feridas e assustadas - e quando pessoas passam por situações assim, sua melhor defesa é o ataque; e é isso que Libby faz.

Lugares Escuros não é uma leitura fácil. Por outro lado, não é tão difícil também. Por mais tensa que seja, largar na metade não é uma opção, porque, apesar de tanta dor e tristeza, o que perturba mais é o não saber, a possibilidade da injustiça. E com todos os finais que eu imaginei, Gillian Flynn conseguiu me surpreender. Mais uma vez.

Ju
Ju

Apaixonada pela leitura desde a infância, tantos livros lidos que é impossível quantificar. Alguém que vê os livros como uma forma de viajar o mundo e lugares mais incríveis que possam ser criados pela imaginação, sem precisar sair do lugar. Tem o blog como uma forma de dividir experiências e, principalmente, as emoções que as leituras despertaram, para compartilhar idéias e aproveitar sugestões de leitura, envolvendo mais e mais pessoas em um mundo onde a imaginação não tem limites.

14 comentários:

  1. Oiee
    Que bom que você foi surpreendida.Essas histórias que dão uma mexida com o nosso psicológico sempre são dignas de serem lembradas.Nunca li nada da Flynn mesmo tendo um pouco de vontade de conhecer esses personagens sem iguais que ela cria.E que passado triste esse da Libby,isso sem dúvidas nos faz torcer por ela,mesmo que com aquele pé atrás.

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  2. Já estava bastante interessada em ler esse livro pela sinopse e pela autora, gostei muito de Garota Exemplar, a escrita da Gillian Flynn é ótima, ainda não li Objetos Cortantes, agora depois de ver essa resenha fiquei ainda mais curiosa em conferi essa história que parece bem instigante e surpreendente.

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  3. Oi Julia,
    Estou louco para ler Lugares Escuros, visto que Gillian Flynn é uma das minhas autoras preferidas. Só estou esperando a editora lançar o livro com a capa original.
    Me impressiona ver como ela sempre consegue surpreender o leitor ao final de seus livros. E acho que é por isso mesmo que gosto tanto dos livros dela: tenho achado os outros livros do genero tão previsíveis e sem graça...
    Abraço,
    Alê
    www.alemdacontracapa.blogspot.com

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  4. Amo suspenses, já li objetos cortantes dessa mesma autora e amei. Estou muito curiosa para ler lugares escuros! Ótima resenha fiquei com mais vontade de ler ainda!!! Bjss

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  5. Nossa fiquei muito interessada por esse livro!
    Adoro livros de suspense e investigação e cheio de mistérios.
    Adorei sua resenha e fiquei super curiosa para ler esse livro.

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  6. Otima resenha , amei a sinopse desse livro , curiosa de mais pra ler esse livro .

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  7. olha Ju, eu gostei da escrita da Gillian as não gostei de Garota Exemplar. tanto que nem li Objetos Cortantes apesar de ver resenhas positivas sobre. então veio Lugares Escuros com uma personagem humana, e que usa de uma certa antipatia para se proteger de uma vida marcada por um trauma gigantesco. acho que vou dá uma chance e ler esse livro por causa da sua resenha =)

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  8. amei amei amei Perfeita a resenha ♥

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  9. amei a resenha. minhas amigas sempre me falaram desse livro mas nunca tive oportunidade de ler.

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  10. amei a resenha. minhas amigas sempre me falaram desse livro mas nunca tive oportunidade de ler.

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  11. Gostei da resenha, o livro parece ser misterioso e instigante, vale a pena ler.

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  12. Ainda não li os livros da autora Flynn, mas por falta de tempo ( R$ ) sabe nê..rs. Li várias resenhas falando sobre os livros dela e só me faz querer ler todos. Obrigada pela tua resenha.

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  13. Olá Ju,

    Li um conto da autora e gostei demais e quero muito ler os demais livros dela e esse é um dele, ótima dica....bjs.

    devoradordeletras.blogspot.com.br

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