Desafio de Escrita #2: Passos na areia


Mantive meus olhos fechados por horas, na esperança de que o sono chegasse, mas a imobilidade não impedia que meu corpo se sentisse completamente alerta. Era estranho estar acordada a essa hora da noite, da madrugada, ainda mais para mim, que nunca tive problemas para dormir. A mente vagava para os mais diversos lugares, por todas as lembranças, e eu não conseguia ir contra a adrenalina que corria em mim. Suspirei alto, joguei as cobertas para o lado e desci da cama, para tentar me ocupar com qualquer coisa que me tirasse dessa espiral de emoções conflitantes.

Dirigi-me para a janela e puxei a cortina, o que permitiu que a luz da lua entrasse e iluminasse o quarto. Eu sabia qual era a razão por estar tão ansiosa. A viagem se aproximava e, em poucos dias, eu deixaria para trás a rotina que me era tão familiar. Também sabia que não deveria estar me sentindo tão triste, ainda mais por ter conseguido o emprego com o qual eu sempre sonhei e por saber que estava partindo por vontade própria, mas nunca pensei que teria de ir tão longe para viver essa nova etapa da minha vida.

Encostei minha cabeça no batente da janela para observar a paisagem já tão conhecida e deixei as lembranças me tomarem. Foi aqui que cresci e que brinquei quando criança, construí castelos de areia e joguei bola com os amigos. Foi o lugar onde assisti meus pais ao redor da fogueira para tentar preparar um churrasco que alimentaria uma dezena de crianças que se juntaram para passar o dia. Foi nessa praia que vivi meu primeiro amor, onde conheci minha melhor amiga, onde tive que aprender a viver sozinha depois do acidente que levou meus pais. Saber que vou partir, ainda que seja por um bom motivo, traz o peso de deixar para trás toda uma vida.

O barulho do mar me atraiu, como sempre acontecia, e me trouxe um sopro de tranquilidade. Era reconfortante poder ouvir o barulho das ondas que quebravam a alguns metros do quarto onde dormi desde criança, e eu tinha certeza de que essa seria uma das coisas de que mais sentiria falta depois da mudança. A concha do mar que estava na mala era uma tentativa quase desesperada de levar um pouquinho de casa comigo. Decidi trocar o pijama por um conjunto de short e camiseta e desci as escadas em direção à porta da frente, que levava direto à praia.

A brisa que soprava do mar era fresca, o que aliviava um pouco a sensação de abafamento que o final do verão trazia consigo. Sentia a areia sob meus pés e uma sensação de gratidão por ter desfrutado de tantos momentos bons neste lugar me atingiu. Quando enfim cheguei à beira do mar, com uma trilha de passos deixada atrás de mim, fechei os olhos e me senti parte da água quase quente que o mar só tinha durante a noite.

- Pelo visto alguém também não conseguiu dormir esta noite – disse uma voz conhecida às minhas costas, arrancando-me do meu estado de torpor. Sorri para mim mesma ao pensar que esperava inconscientemente por sua presença. Olhei para minha amiga e meu sorriso se expandiu.

- Oi Rafa... Não esperava vê-la aqui tão tarde.

- Sabe como é... nosso ímã – disse ela, dando de ombros enquanto a ponta de um sorriso se insinuava em seu rosto.

Era uma brincadeira nossa, pois sempre conseguíamos nos encontrar mesmo sem qualquer contato ou planejamento. Nós apenas sentíamos e sabíamos onde a outra estaria. Mais importante que isso, sempre sabíamos quando uma precisava da outra, como esta noite.

- Estou morrendo de medo de ficar mais de dois mil quilômetros longe de você – desabafei. Rafa tinha esse efeito sobre mim, nunca conseguia esconder algo dela. – De todos vocês, na verdade. Mesmo depois que meus pais morreram, eu ainda sentia que tinha uma família.

- E você continuará a ter – ela respondeu. – Você sabe que pode contar com todo mundo aqui. A gente te adora. Eu, meus irmãos, nossos vizinhos... Você sabe que pode ligar a qualquer hora. Ou pode voltar para cá a qualquer hora também, se preferir.

Sem consegui conter, um risinho dolorido escapou da minha garganta. Em meu coração, sabia que aquilo era verdade.

- Parece que nem saí daqui ainda e já estou querendo voltar.

Rafa sorriu e pôs as mãos sobre meus ombros, virando-me de frente para ela.

- Tina, eu vou odiar ficar longe de você. Meus dias vão ficar extremamente sem graça sem minha parceira de aventuras. Aposto até que essa cidade toda vai ficar sem brilho sem você aqui – ela soltou uma gargalhada curta, provavelmente lembrando tudo o que havíamos aprontado por todos os cantos quando éramos mais novas. – Mesmo assim, estou feliz por você. Quero que você vá de coração aberto e faça isso como tudo o que fez na vida: por inteiro.

Quando tentei baixar os olhos, ela pousou um dedo em meu queixo e ergueu meu rosto, para que não fugisse dos olhos dela.

- Mudanças são mesmo assustadoras. Eu estou com medo também. Mas não estou pronta para lidar com a pessoa frustrada que você se tornaria se não fosse – disse com um tom que misturava a inocência de uma brincadeira e o deboche, de uma forma que só ela conseguia. Não resisti a sorrir também.

- Você está certa. Acho que preciso me animar mais, afinal é a oportunidade da minha vida – falei, enquanto uma ideia libertadora surgia na minha mente. Puxei a camiseta por cima da cabeça e joguei no chão. – Mas isso não me impede de aproveitar meu lugar favorito no mundo até o último segundo – tirei também o short e corri para o mar.

Como eu já previa, Rafaela me imitou e correu para a água atrás de mim. Enquanto mergulhávamos e brincávamos de jogar água uma na outra, algumas conclusões começaram a surgir. Eu iria embora e abandonaria todos os melhores momentos da minha vida. Porém, isso não me impedia de criar outros momentos tão bons quanto os que já passaram. Conhecer outras pessoas tão importantes quanto as que deixaria naquele lugar. Mas o mais importante de tudo era que as pessoas que importavam, aquelas que eu amava de verdade, ficariam comigo para sempre, onde quer que eu estivesse. No meu coração.

~~*~~*~~

Este conto faz parte do Desafio de Escrita, e foi escrito a partir do tema 19 (Você não consegue dormir). Percebi que tenho muita dificuldade de criar uma história, de dar continuidade a uma cena.  Eu começo e não sei mais para onde quero levar a trama e às vezes levo dias para continuar de onde parei, mesmo que seja um conto tão curto como esse. Então sejam sinceros: o que acharam do texto?
Ju
Ju

Apaixonada pela leitura desde a infância, tantos livros lidos que é impossível quantificar. Alguém que vê os livros como uma forma de viajar o mundo e lugares mais incríveis que possam ser criados pela imaginação, sem precisar sair do lugar. Tem o blog como uma forma de dividir experiências e, principalmente, as emoções que as leituras despertaram, para compartilhar idéias e aproveitar sugestões de leitura, envolvendo mais e mais pessoas em um mundo onde a imaginação não tem limites.

14 comentários:

  1. Adorei o texto muito bom, me deu uma sensação de tranquilidade e a sensação de reviver momentos que passaram ,me deixou refletindo sobre as oportunidades que aparecem em nossos caminhos e as vezes deixamos passar por medo do desconhecido ou de deixar as pessoas que gostamos. Parabéns Ju. Deve ser difícil mesmo saber o rumo que se deve dar a uma trama.

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  2. Oiii! eu amei o texto!!! e acho que você escreve muuito bemmm !! achei muito bom!! e ainda misturou com a praia, e a noite! a forma como você colocou os sentimentos dela em relação a tudo que ela iria deixar para trás foi de uma forma bem realista, quase pude sentir tudo aquilo que ela estava sentindo!!

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  3. Sabe, eu me arrisco a escrever as vezes(quase sempre).rs mas também tenho muita dificuldade em dar fim em algo. Seja um poema ou um simples texto. Nunca consigo encerrar ele de fato, sem deixar a porta aberta para algo mais.
    Eu adorei seu conto. Curto, simples, mas com letras perfeitas, começo,meio e fim!
    E sabe mais? Eu sou fã de quem apenas escreve. Sem isso de regras, imposições ou afins. Deixar a alma falar é o que liga!
    Parabéns!!!

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  4. OI Ju.
    Parabéns pelo texto!
    Deve ser muito difícil escrever uma história. Gostei bastante do texto! Você conectou bem os trechos, gostei da forma como você descreveu as cenas, utilizando uma linguagem muito bonita, mas clara.
    Beijos

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  5. Olá!!
    Se vc tem dificuldade em escrever eu não sei mas que tá a cosia mais linda tá viu Ju!
    Parabéns!! Eu amei!

    Bjs!

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  6. Parabéns pelo conto, gostei muito da sua escrita fluida, e envolvente, que consegue ter objetividade e clareza quando descreve as cenas, e os momentos passado pelos personagens, os diálogos foram bem descritos. Não consigo perceber em nenhum momento sua dificuldade em continuar descrevendo as cenas, ou dando continuidade, nesse texto tudo fluiu muito bem. Porém confesso que quando estou escrevendo também tenho essa certa dificuldade de passar pro papel o que esta na mente, e fazer conexão com as cenas.

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  7. Que acalento ler este trecho ♥ Confesso que entre os que li foi o que mais gostei, cheio de pequenos detalhes e pensamentos ricos sobre a vida, mudanças e sentimentos!

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  8. Ju!
    Já comecei gostando da imagem. Participo do Poetizando e Encantando do Blog Filosofando com a vida da Profª Lourdes, onde toda semana ela traz uma ilustração e nos desafiamos a fazer um poema e a ilustração da semana passada foi semelhante a essa...
    Quanto ao texto... se tem essa dificuldade, com toda certeza não deu para notar, pois seu texto foi conciso, não houve divagações e trouxe realidade inegável quanto às mudanças serem complicadas e difíceis, porém, temos de enfrentá-las e enquanto elas não vem, temos de aproveitar a vida.
    Parabéns!
    “Acredite que você pode, assim você já está no meio do caminho.” (Theodore Roosevelt)
    cheirinhos
    Rudy
    TOP COMENTARISTA FEVEREIRO: 3 livros + vários kits, 5 ganhadores, participem!
    BLOG ALEGRIA DE VIVER E AMAR O QUE É BOM!

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  9. Oi Ju!
    O texto traduz muito do que é uma mudança, eu mesma sou tão ansiosa que lendo parecia estar descrevendo os meus gestos e sentimentos... Mas ao mesmo tempo é bom, fazer novas amizades, descobrir novos mundos...
    Adorei tudo que você escreveu!
    Beijos

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  10. O que eu achei do texto? Ju, eu adorei. Ele passou muito bem as lembranças, os momentos que vivemos e que devido a algumas escolhas precisamos deixar para trás, mas só fisicamente já que levaremos em nosso coração. A sensação de mudança, novo começo, amizade. Eu gostei bastante e me senti mesmo que sendo um conto próxima da Tina. Essa ambientação, tendo o mar, estado a noite já. Realmente me agradou. E acho que é inspirador para quem está passando por momentos assim de mudança.

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  11. Oi Ju!
    Eu adorei o texto, sendo sincera mesmo. Acho que escrever é difícil, mas o seu texto achei bem escrito de fato. O que me marcou foi que pouco atrás eu sinto que vivi algo parecido com o que a personagem está vivendo. Eu tive que sair de um lugar que amava tanto e deixar meus melhores amigos do mundo e minha família também para seguir um caminho que acho ser o melhor pra mim. Consegui ler o texto e lembrar meu ultimo dia antes de viajar e como eu estava exatamente assim. Acho que isso me fez gostar mais ainda, e me identificar mais ainda com a Tina.
    Bjs

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  12. Oi Ju! Amei esse seu texto, parabéns, achei super bem escrito, curto muito a leitura desse bonito e emocionante conto.
    Bjs

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  13. Obrigada por ter escrito - o simples fato de ter publicado já é um desafio, eu sei bem disso. Eu gostei do conto, ele é pequeno, mas passou a mensagem que você queria.

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  14. Ju, parabéns!
    Ficou lindo! Super gostoso de acompanhar e bem escrito!
    Queria saber mais do que aconteceu com a Tina!
    Escreve mais!
    bjsss

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