A forma da água - Guilhermo Del Toro & Daniel Kraus

Sinopse: A história de Guillermo del Toro que deu origem ao filme vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza, recordista de indicações ao Globo de Ouro e um dos mais cotados na corrida do Oscar 2018.
Richard Strickland é um oficial do governo dos Estados Unidos enviado à Amazônia para capturar um ser mítico e misterioso cujos poderes inimagináveis seriam utilizados para aumentar a potência militar do país, em plena Guerra Fria. Dezessete meses depois, o homem enfim retorna à pátria, levando consigo o deus Brânquia, o deus de guelras, um homem-peixe que representa para Strickland a selvageria, a insipidez, o calor — o homem que ele próprio se tornou, e quem detesta ser.
Para Elisa Esposito, uma das faxineiras do centro de pesquisas para o qual o deus Brânquia é levado, a criatura representa a esperança, a salvação para sua vida sem graça cercada de silêncio e invisibilidade.
Richard e Elisa travam uma batalha tácita e perigosa. Enquanto para um o homem-peixe é só objeto a ser dissecado, subjugado e exterminado, para a outra ele é um amigo, um companheiro que a escuta quando ninguém mais o faz, alguém cuja existência deve ser preservada.
Mistura bem dosada de conto de fadas, terror e suspense, A Forma da água traz o estilo inconfundível e marcante de Guillermo del Toro, numa narrativa que se expande nas brilhantes ilustrações de James Jean e no filme homônimo, vencedor do Leão de Ouro em 2017. Uma história cinematográfica e atemporal sobre um homem e seus traumas, uma mulher e sua solidão, e o deus que muda para sempre essas duas vidas. (Skoob)

Livro recebido em parceria com a Editora
DEL TORO, Guillermo. KRAUS, Daniel. A forma da água. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018. 352 p.


Em outros momentos, já tive oportunidade de ler obras escritas por Guilhermo Del Toro e Daniel Kraus e, embora tenha gostado muito de todos os livros que li, A forma da água é, sem sombra de dúvidas, o livro mais fascinante entre eles. Permeada por elementos característico dos autores, a obra traz uma mistura de fantasia e realidade, mescla o possível e o mágico e trata de humanos e monstros de uma forma bastante inusitada.

"Ela sabe que já foi a coisa na água antes. Sempre foi a pessoa sem voz de quem os homens tiraram proveito sem jamais perguntar o que ela queria."

No início, o texto pode parecer despropositado e irrelevante. Há capítulos e mais capítulos que contam o cotidiano dos personagens, a rotina da protagonista Elisa, que é muda, dividida entre seu apartamento caindo aos pedaços e seu trabalho como faxineira da Occam e, de outro lado, a busca interminável e cada vez mais obsessiva de Strickland pelo deus brânquia na Amazônia, para onde ele foi com a missão de levar a criatura para os Estados Unidos. Entre eles, outros personagens, sempre em terceira pessoa, são ainda retratados, como Laine, esposa de Strickland, Hoffstetler, cientista da Occam, Zelda e Giles, amigos de Elisa. São cem páginas antes do verdadeiro encontro entre Elisa e a criatura, repletas de aprofundamentos sobre todos os personagens.

Ainda que essa construção possa parecer cansativa, na verdade não há nada no enredo que esteja ali sem algum motivo. O ritmo lento dado à história é proposital, e, depois que se acostuma, a história flui muito rapidamente, deixando a sensação de que se trata de uma poesia ou de uma dança cheia de luzes, tal qual um dos encontros entre Elisa e o ser, uma das cenas mais lindas do livro, aliás. Todos os personagens estão interligados e não se trata apenas de coincidências criadas artificialmente pelos autores; todos os encontros modificam os personagens de alguma forma e os levam a um resultado inevitável.

"Qual seria a sensação de sentir alguém? De repente, existir não apenas em seu mundo, mas no de outra pessoa também?"

Embora o que se destaque na sinopse seja o romance, na verdade o livro vai muito além disso. O envolvimento entre Elisa e a criatura é apenas o gatilho para toda uma trama que trata muito mais sobre dilemas pessoais, relacionamentos, traições, espionagem, críticas sociais, diferenças e preconceitos, do que sobre o romance em si. Acho até que o livro poderia narrar mais das visitas de Elisa à F1 para ilustrar, com mais detalhes, o sentimento que nascia entre os dois.

"O que aconteceu com ela? Elisa acredita saber a resposta, apesar da ironia sombria: o que aconteceu com ela foi o amor."


Ao aprofundar questões dos personagens - não apenas os principais, mas também os secundários - os autores conseguiram expandir o contexto do livro e levantar inúmeras reflexões sobre os mais diversos assuntos. Há, por exemplo, discussões sobre homossexualidade e a importância que se dá a possíveis julgamentos, ainda mais na década de 1960, momento em que se passa a história; sobre as discriminações em razão da cor da pele e as dificuldades que os negros enfrentam ao ter que provar o tempo todo sua honestidade e sua capacidade; sobre o papel da mulher como subordinada aos homens, seja no casamento, seja nas oportunidades de trabalho, entre outros assuntos. O mais interessante é que essas discussões estão subentendidas, já que os autores as incluíram dentre os diversos conflitos pessoais de cada um.

E não há apenas reflexões sobre problemas advindos das construções sociais, mas também aspectos mais pessoais. Há, por exemplo, cenas em que os personagens nitidamente deixam de fazer o que é certo, ou entram em conflito sobre fazer ou não, em razão de algum medo abstrato que os imobiliza. Ou, ainda, sobre a necessidade de falar e se comunicar, mas que nem sempre resultam na conexão com outras pessoas. No livro, quem se comunica de verdade, com a alma, são aqueles que não podem falar, enquanto outros personagens, como Strickland, falavam, mas tinham dificuldades de se expressar. E mais do que isso: o texto deixa sempre o questionamento sobre quem é, de fato, o monstro, e sobre a vontade irracional do ser humano de destruir tudo aquilo que não entende.

"Taxidermia criativa. Assim é a vida, Elisa. Coisas remendadas juntas, sem sentido, a partir das quais nós, em nossas mentes necessitadas, criamos mitos que nos agradam."

Guilhermo Del Toro e Daniel Kraus criaram um romance que perpassa a fantasia e mescla ainda outros gêneros, como suspense e aventura, e que consegue se aprofundar em questões sobre o ser humano como poucas obras literárias. Além disso, incluíram mensagens sutis e profundas sobre inúmeros assuntos, o que transformou o livro em uma obra rica e cheia de ensinamentos. Vale lembrar que o mais importante está nas entrelinhas, para quem consegue refletir sobre a leitura.

"Ela o abraça, ele a abraça, os dois se abraçam, e tudo é escuridão, tudo é luz, tudo é feio, tudo é lindo, tudo é dor, tudo é pesar, tudo é nunca, tudo é eterno."

A forma da água é um romance delicado e apaixonante, que envolve e traz importantes reflexões sobre a sociedade e sobre nós mesmos, e ainda nos presenteia com um final mágico e ilustrações belíssimas.


Ju
Ju

Apaixonada pela leitura desde a infância, tantos livros lidos que é impossível quantificar. Alguém que vê os livros como uma forma de viajar o mundo e lugares mais incríveis que possam ser criados pela imaginação, sem precisar sair do lugar. Tem o blog como uma forma de dividir experiências e, principalmente, as emoções que as leituras despertaram, para compartilhar idéias e aproveitar sugestões de leitura, envolvendo mais e mais pessoas em um mundo onde a imaginação não tem limites.

18 comentários:

  1. Ainda não pude ler o livro, mas em contrapartida, vi o filme três vezes e sei que verei mais.rs
    Não é apenas o romance, é a independência da personagem Elisa, que mesmo com a "deficiência" mostra o tempo todo que é uma mulher à frente de tudo, já que(sem spoilers) leva tudo na boa, como qualquer outra mulher!
    A trilha sonora do filme, as cores, é tudo perfeito!
    E sei que o livro também deve ser!
    Espero poder conferir ele em breve, já que a vontade não falta!
    Beijo

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  2. Oi, Ju.

    Gostei dos autores não terem focado no romance, e com maestria, discutirem essa questão da importância da aceitação, por diversos ângulos.

    Nota-se que, esse vínculo criado entre a personagem e a forma, é algo puro.

    O livro é, sem dúvidas, diferente. Que, por causa dos elementos reunidos, causa curiosidade.

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  3. Olá Ju! Adorei o filme, achei super merecido ter ganho o Oscar, estou doida pra ler o livro e cada resenha que vejo dele me deixa ainda mais curiosa me conferi isso tudo que dizem.
    Bjs

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  4. Assisti o filme e gostei, fiquei muito curiosa com o livro, o autor aborda muitos temas importantes, principalmente o preconceito em várias formas, gostei da personagem muito perspicaz e de uma doçura que encanta. Deve ser impressionante as mensagens que o livro passa, infelizmente o ser humano destrói muitas coisas sem nem ao menos tentar compreender.

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  5. Ao tratar de uma historia que mostre grandes reflexões sobre a sociedade e nós mesmo, já me interesso demais. A forma da água parece mostrar como amor e a vida pode ser mais valiosa se tivermos alguém ou um sentimento profundo. Fiquei mais curiosa sobre Richard e sua forma. Ainda não li nenhum livro do Guilhermo Del Toro e Daniel Kraus, espero que a forma da água seja o primeiro.

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  6. Ju!
    Não li o livro ainda, mas bem tenho vontade, porque Del Toro ser um 'cara' super inteligente e versátil.
    Gosto desse lance de amor entre espécies e acredito que ainda tem a lição de que não há problema algum em se amar o diferente, muito pelo contrário.
    E por ser em um ritmo mais lento, acredita que facilita o entendimento dos detalhes de como tudo se passa.
    Desejo um mês repleto de realizações!
    “O que eu sinto eu não ajo. O que ajo não penso. O que penso não sinto. Do que sei sou ignorante. Do que sinto não ignoro. Não me entendo e ajo como se entendesse.” (Clarice Lispector)
    cheirinhos
    Rudy
    TOP COMENTARISTA JUNHO - 5 GANHADORES
    BLOG ALEGRIA DE VIVER E AMAR O QUE É BOM!

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  7. Olá, Ju!
    Se antes eu queria ler esse livro por causa do romance, agora eu quero muito.
    Vi falar muito sobre o livro, mas resenha é a primeira que leio explicando o que realmente se passa no enredo.
    Gosto de livros que abordam assuntos que nos fazem refletir.
    Beijos.

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  8. Oi Ju,
    Quero muito ler esse livro, o enredo é fascinante! Fico empolgada em saber que o livro vai além de um romance. Ao abordar diversos assuntos, os autores trazem uma história repleta de reflexões, proporcionando uma leitura riquíssima. Com personagens muito bem construídos, com uma trama que envolve o leitor, acredito que esse livro irá me impressionar.
    Ainda não consegui assistir a adaptação, minhas expectativas já estavam lá em cima pelos tantos elogias da critica, ainda mais depois de ganhar 4 estatuetas no Oscar.
    Beijos

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  9. Oi Ju
    Eu demorei um pouco na leitura deste livro, mas eu gostei. É uma história bonita e com várias questões para refletir.

    Beijinhos
    http://diariodeincentivoaleitura.blogspot.com

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  10. Caramba! Eu fiquei muito supresa. Conheço o Guilhermo Del Toro mais como diretor, não sabia que ele escrevia. E olha, que desde que eu vi o trailer desse filme, fiquei apaixonada, com vontade de ver, mas ainda não consegui. Parece realmente muito interessante. Fiquei mais curiosa por ler agora. Trata de diversas coisas... Eu achei interessante os personagens principais, serem tão diferentes. Parabéns pela resenha.

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  11. Oi Ju,
    Ainda não tive oportunidade de ler a obra, mas assisti a adaptação recentemente, se ela já me trouxe vários sentimentos, imagino que a leitura seja ainda mais rica.
    Engraçado que ouvi alguns comentários negativos sobre a relação de Elisa com a criatura, mas como você disse, eu enxerguei tantas outras questões na história, principalmente sobre a maldade, sobre como o ser humano muitas vezes pode ser pior do que aquilo que chamamos de "monstro".
    Enfim, espero ler em breve e indico o filme, os atores foram bem escolhidos.
    Beijos

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  12. Tenho imensa curiosidade de ler este livro (e ver a adaptação). Ele me ganhou com apenas um sinopse e agora estou ainda mais impolgada. Gosto de saber que além de nós prender á trama, ele tráz a reflexão.

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  13. Oi Ju!
    Ainda não li o livro e tbm não vi o filme, li mtos comentários positivos sobre a história e estou na torcida pra ler o livro em breve.
    Bjs!!

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  14. Olá Ju,
    Eu assisti o filme em que o livro foi baseado e até que gostei, mas não achei que foi tudo o que diziam.
    Tentar da uma chance pra esse livro e peguei emprestado mas a leitura pra mim foi muito cansativa que eu acabei devolvendo sem terminar a ler. Depois de ler a sua resenha decidi que vou dar outra chance ao livro e tentar ler outra vez.

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  15. Vi o trailer do filme e me deixou um pouco confusa com a história. Não sabia que tinha o livro, mas pela resenha até me tirou algumas dúvidas. Ainda não sei se vou ler o livro, mas o filme com certeza.

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  16. Não li o livro porém vi que teve adaptação para os cinemas que inclusive ganhou o Oscar de melhor filme então a minha vontade de ler esse livro é imensa mas eu vou esperar ele entrar em alguma promoção porque o preço tá bem salgado mas é impossível não se deliciar com a história delicada dos protagonistas

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  17. Ainda não li esse livro e nem vi o filme apesar dele ter ganhado o oscar de melhor filme, pois não sou muito fã do Guilhermo del Toro, nem o labirinto do fauno que todo mundo fala tão bem eu curti.

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  18. Conheci primeiro a adaptação cinematográfica, mas ainda não li o livro em si. O que mais me impressiona, além da mistura de gêneros tão bem construída que os autores conseguem fazer, é a forma como os personagens parecem ter vida própria e pular das páginas para a vida real, de tão concretos e verossímeis que são. Pela tua resenha, pude perceber que vários temas importantes e essenciais ao ser humano no geral são trazidos e discutidos em meio à trama, algo que eu acho muito válido. Além disso, a delicadeza que parece permear a narrativa, bem como a importância dada a todos os personagens no geral são aspectos bastante positivos pra mim.

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